Além de um defensor do movimento de software livre, o inglês Simon Phipps é diretor de tecnologia da Sun Microsystems. Ele esteve em Brasília semana passada para participar do Café Brasil, ciclo de palestras e treinamento de Java. O ITI-Instituto Nacional de Tecnologia da Informação apoiou institucionalmente o evento, que permitiu o treinamento gratuito de, aproximadamente, 300 técnicos do governo.
Atualmente, estima-se que o Brasil tenha mais de 100 mil desenvolvedores Java. Leia abaixo a integra da entrevista feita com Simon Phipps, quando ele dá o seu ponto de vista sobre o fenômeno brasileiro de ter a maior comunidade de programadores Java, além de falar sobre software livre, modelo de negócios, política, tecnologia, entre outros temas.
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ITI – Qual a sua avaliação em relação ao evento Café Brasil?
Simon Phipps - Isso que vimos no Brasil durante o evento é exatamente o que precisamos ver, mais pessoas compartilhando tecnologia, representantes de vários segmentos interessados nessa tecnologia como bancos, governos e grupos de usuários. Todos usando essa tecnologia.
ITI - É verdade que o Brasil tem uma das maiores comunidades Java?
SP - O Brasil é excepcional nesse ponto. Há um enorme número de grupos de usuários. E é um brasileiro, Bruno de Souza, o líder dos grupos internacionais de usuários. Ele se tornou um líder mundial dos grupos de usuário.
Atualmente, há aproximadamente 250 grupos de usuários no mundo. No Brasil estima-se que sejam 100 mil desenvolvedores. Estou muito impressionado com o atividade, com a energia e com a vontade de resolver problemas dos desenvolvedores brasileiros.
ITI – Por quê o Brasil tem uma comunidade tão grande de desenvolvedores?
SP – Acho que é pelo fatos dos brasileiros serem positivos e pragmáticos. Isso quer dizer que eles não estão se deixando levar por discussões filosóficas sobre se este é ou não o melhor caminho. Eles estão fazendo. Estão abrindo novas oportunidades para os desenvolvedores, as empresas, enfim criando riqueza para a sociedade.
ITI – Qual a vantagem de adotar Java?
A vantagem é que não se fica dependente de nenhum fornecedor, criando um programa baseado em Java você pode ter vários fornecedores tanto de software como de hardware. Por exemplo, o Brasil desenvolveu um programa para Imposto de Renda baseado em Java. Isso significa que a Receita não é dependente de nenhuma empresa, ela pode escolher qual parceiro fará o desenvolvimento.
ITI – O senhor é um dos defensores do software livre. Por quê?
SP - Acho que quando falamos em software livre, estamos falando sobre ter o controle dos meios de produção, do software que determina o nosso destino. Isso é um conceito muito simples.
A Sun faz dinheiro do mercado criando um mercado que possa competir. A Sun não está interessada em matar a concorrência, mas em criar um espaço que possa ter êxito e que outras empresas também possam tê-lo. Isso tem muito a ver com software livre.
ITI - E qual é o modelo econômico?
SP - Essa é uma questão que se deve ter muito cuidado. A melhor forma de entender o software livre é como uma cadeia de artesões, que mantêm uma comunidade e compartilham recursos. Eles usam esse compartilhamento para gerar riqueza. Você cria riqueza quando você instala um computador em um telecentro, assim as pessoas locais podem usá-lo, quando você faz um programa para um banco e ele está obtendo lucros maiores. Todos os dois são exemplo de como se gerar riqueza. Quando você cria riquezas toda a sociedade se beneficia. Acho que o modelo de compartilhar os meios de produção e aumentando a possibilidade de se gerar riqueza é o melhor modelo para se fazer software.
Brasil é um país que pode olhar esse modelo e entendê-lo como uma oportunidade de gerar mais riqueza em beneficio da sua população, além de aumentar a sua possibilidade de participação no mercado internacional.
ITI – Esse é um ponto de vista meio socialista, não?
SP - Acho que, na realidade, é uma conseqüência natural da sociedade conectada. Não tanto uma questão de ser socialista e mais uma questão de estar conectado. Para um desenvolvedor de software fica fácil de entender que o modelo antigo em que se reuniam os melhores profissionais fechados em uma sala para produzir uma solução. Não importa quão inteligentes essas pessoas sejam, o fato é que haverá outras tantas pessoas inteligentes for a da sala que poderão contribuir. Se os de dentro da sala puderem falar com os de fora, com certeza, o resultado será um software melhor.
E essa é a realidade agora, estamos em uma sociedade conectado que os de dentro da sala conversam o tempo todo com os de fora. Você tem duas escolhas: você pode trabalhar com uma comunidade que te ajuda a pensar ou pode fica em uma sala fechada, tentando criar um software adequado.
Eu acredito que a sociedade está cada vez mais conectada. As pessoas falam, se comunicam o tempo todo e, para uma empresa de software é mais inteligente colaborar com todos do que manter todas as pessoas afastadas do seu processo de produção.
Observe, sou um capitalista. Na realidade, sou um capitalismo-conectado. No atual processo não há como não considerar as mudanças que vieram da sociedade em rede. Não temos como nos manter no capitalismo desconectado. Software Livre não está relacionado com não-pagamento, com gratuidade. Está relacionado com a liberdade de criar riqueza e bem-estar na sociedade.
ITI – O que você acha da política de TI adotada pelo Brasil.
SP – Estive várias vezes ao Brasil nos últimos tempos. E uma das coisas que mais me impressionam é a forma inteligente de como o Brasil está lidando com a adoção do software livre. Não há apenas o entendimento de que se pode reduzir custos, mas também está relacionada à questões éticas, filosóficas e também de desenvolvimento.
ITI – Na sua opinião, o Brasil está na direção correta?
SP – Nesse momento estou muito impressionado com o Brasil. Ele está na liderança do processo. Não vejo no cenário internacional nenhuma força similar. Índia, Rússia e China também tem perseguido objetivos similares. Mas em nenhum outro país vejo um equilíbrio tão bom em relação a aspectos filosóficos, éticos, pragmáticos e comerciais. É um pouco complicado dizer isso, mas em outros países não vejo essa equação tão bem resolvida como aqui.
O mercado global pressiona a posição brasileira. Há muitos interesses comerciais em jogo de atores que não vêm com bons olhos essa posição visionária que vocês estão propondo.
ITI - O debate sobre patentes de software tem ganhado força em países como os Estados Unidos e na União Européia. Qual a sua opinião a esse respeito?
A incerteza só beneficia os advogados. Há um debate muito forte sobre isso. Devo ser cuidadoso em comentar esse tema, já que a Sun ainda não tem uma posição fechada sobre isso. Na minha opinião, o problema do sistema de patentes é que não funciona para nada. Acho que qualquer tentativa de imposição sobre o tema não terá resultado. Mesmo empresas grande como Microsoft serão muito mais vítimas desse processo do que beneficiárias. Ela será levada aos tribunais cotidianamente. Vejo como únicos beneficiários os advogados.
No entanto, acho que o Brasil deveria ter um regramento jurídico mais claro sobre licenças e patentes de software. Até mesmo para proteger a indústria de software livre que está nascendo e, como vocês vão competir no mercado internacional onde esse tipo de regramento é endêmico, se não tiverem nenhuma proteção pode ser uma situação desfavorável.
Fonte: http://www.iti.br/twiki/bin/view/Main/PressRelease2005Apr18A